- Filosofia Parental: Para Além do Certo e Errado
- Escolhas Fundamentais que Funcionaram
- Navegando Desafios: As Oportunidades de Aprendizagem
- Decisões Conscientes: Manter as Convicções pelo Bem-Estar a Longo Prazo
#Filosofia Parental: Para Além do Certo e Errado
A nossa abordagem à criação dos filhos não se baseia em noções rígidas de “certo” ou “errado”, mas sim no que “deu certo na nossa família” e nas “oportunidades de aprendizado” que surgiram. Acreditamos que rotular as ações dessa forma leva a julgamentos e a uma rigidez que não é construtiva na parentalidade, impondo uma pressão desnecessária sobre os pais para que se encaixem num molde de perfeição inatingível. Esta mentalidade fomenta uma cultura de comparação e crítica, quando o foco deveria ser o apoio mútuo. O conceito de “oportunidade de aprendizado” é transformador, pois ressignifica um erro, transformando-o de uma falha para um dado valioso que informa as nossas ações futuras, promovendo resiliência tanto em nós, pais, como nos nossos filhos. A nossa experiência, partilhada neste canal sobre maternidade, é sempre embasada em uma fundação sólida de evidências, seguindo as orientações mais recentes da Sociedade Brasileira de Pediatria e do Ministério da Saúde, com a revisão de um pediatra para garantir a precisão da informação. Escolhemos conscientemente este caminho para evitar a confusão gerada por tendências passageiras ou conselhos anedóticos, buscando uma base de conhecimento fiável para as nossas decisões.
#Escolhas Fundamentais que Funcionaram
A Presença em Casa: A Decisão de um dos Pais Parar de Trabalhar Uma das primeiras e mais impactantes decisões foi eu, Roberta, ter deixado de trabalhar. Embora no início tenha sido um processo sofrido, com uma desorganização da minha identidade, que até então era muito ligada à minha profissão, abraçar a maternidade foi libertador. A transição envolveu um luto pela identidade de “Médica Roberta” e a aprendizagem de integrar este novo papel de “mãe” sem sentir que estava a anular quem eu era antes. A decisão foi prática; avaliamos que a hora de trabalho do Bruno rendia mais, mas a filosofia era que a criança precisa de um cuidador amoroso presente no dia a dia para se sentir segura e desenvolver uma base de apego seguro, que é o alicerce para a futura independência e regulação emocional. Se a situação financeira fosse inversa, ele teria ficado em casa, pois o princípio é a presença, não o género. Esta escolha representa uma tomada de posição consciente contra a corrente da “terceirização” do cuidado. Não se trata de um julgamento sobre famílias que necessitam de creches, mas de uma articulação dos nossos próprios valores, que priorizam a formação de um vínculo primário seguro durante a janela de desenvolvimento mais crítica da primeira infância, acreditando que este investimento de tempo e presença rende dividendos emocionais para toda a vida.
Parceria Verdadeira: A Divisão Equitativa de Tarefas Inspirados por um vídeo de Lu Ferreira, implementámos uma divisão de tarefas verdadeiramente igualitária e fluida. A regra é simples: a criança chama quem está mais perto, sem a distinção de “mãe” ou “pai” para tarefas específicas. Quem vê o cocó, limpa. Esta dinâmica, que requer comunicação e percepção constantes, evita que o peso recaia sobre um dos pais e, fundamentalmente, constrói o vínculo. Acreditamos que a verdadeira ligação, especialmente para o pai, se dá no cuidado diário — acalmar o choro, dar banho, trocar a fralda — e não apenas na hora de brincar. Confiança e conexão profunda são forjadas na vulnerabilidade e na satisfação das necessidades primárias, desafiando o estereótipo do “pai divertido” que aparece apenas para os momentos bons. Na prática, quando o Bruno chega do trabalho, ele assume plenamente as suas funções de cuidador, não de visitante, o que me proporciona um descanso genuíno e reforça junto das crianças que ambos os pais são portos seguros equivalentes. Este modelo de parceria ativa também serve como um poderoso exemplo para os nossos filhos, ensinando-lhes desde cedo sobre equidade, respeito mútuo e a beleza de um relacionamento colaborativo.
#Navegando Desafios: As Oportunidades de Aprendizagem
Da Ansiedade à Confiança: Superar a Preocupação Excessiva Com a nossa primeira filha, Serena, vivemos um período de excesso de preocupação. Sendo mãe de primeira viagem, a minha ansiedade era constante, e o Bruno, como pai pediatra, tinha um olhar excessivamente clínico e protocolar, focado em procurar doenças. Esta é a “deformação profissional” do médico: uma tendência a patologizar o que muitas vezes são apenas peculiaridades do desenvolvimento. Para manter a fronteira profissional e não nos privarmos da alegria de simplesmente observar a nossa filha, ele nunca examinou os nossos filhos em casa para consultas de rotina, levando-os sempre ao consultório, onde ele podia conscientemente “vestir o seu chapéu” de médico. Esta ansiedade manifestou-se em vários sustos:
- Perímetro Cefálico: Um mês, a cabeça da Serena não cresceu. O pânico instalou-se, com o medo de um diagnóstico grave como microcefalia, uma preocupação de saúde pública na época devido ao vírus Zika. A angústia durou até descobrirmos que a fita métrica estava com defeito, um alívio imenso que nos ensinou a verificar os dados antes de sucumbir ao medo.
- Dor nas Costas: Aos dois anos, ela queixava-se de dor nas costas, um sintoma muito incomum que nos levou a exames e à consideração de doenças graves. A conclusão final foi que era ciúme do irmão bebé, Estêvão, que nessa fase dos seis meses estava a tornar-se mais interativo e a receber muita atenção. As queixas dela diminuíram drasticamente quando começámos a dedicar-lhe mais tempo de qualidade um-a-um, mostrando-nos a profunda ligação entre o corpo e as emoções numa criança.
Da Impaciência à Conexão: Gerir a Raiva Parental Eu, Roberta, perdia a paciência e gritava muito mais com a Serena, mesmo ela sendo uma criança mais tranquila. Sentia-me mal com isso e sabia que precisava mudar. A solução veio de duas frentes:
- Terapia: Comecei a terapia mais tarde do que gostaria, mas foi fundamental. Ajudou-me a entender que a parentalidade ativa a nossa “criança interna” e os seus gatilhos. Ao revisitar e curar as minhas próprias feridas da infância, deixei de reagir a partir desse lugar de dor e passei a responder às minhas filhas com uma presença consciente, encontrando uma paciência que não sabia que tinha.
- Trabalho em Equipa: Desenvolvemos uma cumplicidade em que, quando um de nós está a elevar a voz ou a chegar ao limite, o outro assume a situação sem necessidade de confronto ou crítica. É uma dança não-verbal: eu posso ouvir o tom do Bruno a ficar mais tenso e simplesmente digo: “Deixa que eu pego daqui, amor.” Esta troca de energia, que requer autoconhecimento e percepção, acalma o ambiente e previne conflitos à frente das crianças.
- O Poder do Pedido de Desculpas: Entendemos que a paciência se esgota por nosso próprio cansaço e não por culpa da criança. Por isso, quando explodimos, sentamo-nos com a criança e pedimos desculpa. Isto não só ensina a criança a pedir perdão, mas também a lições mais profundas: que os adultos são falíveis, que os relacionamentos podem e devem ser reparados após uma rutura, e que os seus sentimentos são válidos.
Equilibrar as Exigências com o Filho Mais Velho Percebemos que, por a Serena ser muito inteligente e autónoma desde cedo, estávamos a exigir dela um grau de controlo emocional e compreensão desadequado para a sua idade. Esperávamos que ela partilhasse os seus brinquedos com maturidade ou que entendesse raciocínios complexos sobre por que não podia fazer algo. Caímos na armadilha comum de tratar o mais velho como se já tivesse que “entender”, enquanto o mais novo é sempre o bebé. O primogénito torna-se frequentemente o nosso “projeto piloto”, e as suas capacidades precoces podem levar-nos a acelerar mentalmente o seu desenvolvimento emocional. Para combater isto, policiamo-nos ativamente, lembrando-nos em voz alta: “Lembra-te, ela só tem três anos”, para reajustar as nossas expectativas à sua realidade emocional e não apenas à sua capacidade verbal ou cognitiva.
#Decisões Conscientes: Manter as Convicções pelo Bem-Estar a Longo Prazo
Isto revela um aspeto central da nossa abordagem: somos filosoficamente flexíveis, mas operacionalmente rigorosos. Somos “caxias” (estritos) porque pensamos nos efeitos a longo prazo e não temos “dó” de negar algo que consideramos prejudicial, baseando-nos em princípios de saúde e bem-estar que são, para nós, não-negociáveis.
- Saúde e Nutrição: Conseguimos manter o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses e prolongado graças ao apoio total do Bruno. Fomos rigorosos com a ausência de açúcar, entendendo que isso molda o paladar da criança para preferir alimentos naturais e previne uma série de problemas de saúde futuros. Em situações sociais, como festas de aniversário, alimentávamos as crianças antes ou levávamos os nossos próprios lanches.
- Tecnologia e Ecrãs: Nunca consideramos o telemóvel uma opção para acalmar a criança. Sabemos que o uso de ecrãs em idades precoces pode impactar negativamente os ciclos de dopamina, a capacidade de atenção e o desenvolvimento da criatividade. Em viagens difíceis ou em restaurantes, tínhamos sempre uma “sacola de brinquedos” de emergência, cantávamos músicas e interagíamos. Os frutos colhemos agora, com uma filha que viaja horas a entreter-se sozinha. Para isso, tivemos de “vestir a camisola” da decisão, o que significa acreditar genuinamente no “porquê” por trás da regra, tornando-a uma convicção interna e não uma imposição externa.
- Atrasar a Entrada na Escola: A Serena, com 3 anos e meio, não frequenta a escola. Esta decisão baseia-se na nossa preferência por pedagogias como Waldorf e Montessori e no entendimento pediátrico de que crianças com menos de 3 anos não precisam da escola para socializar. Pelo contrário, estudos indicam que o ambiente escolar nesta idade pode aumentar a produção de cortisol (hormona do stress) e que a alfabetização precoce não traz vantagens. O brincar livre é a forma como as crianças desenvolvem funções executivas, resolução de problemas e criatividade. Criticamos a “preparação mercantilista” de algumas escolas, que focam em habilidades para um futuro mercado de trabalho em detrimento do desenvolvimento de um ser humano completo e resiliente. Acreditamos que a mudança para escolas mais focadas no desenvolvimento socioemocional deve partir da “exigência dos pais”: questionar ativamente os currículos, advogar por mais tempo de brincadeira não-estruturada e, se necessário, procurar ou criar comunidades de aprendizagem alternativas. Afinal, a inteligência emocional, formada na infância, é o que mais pesa no sucesso e bem-estar futuros.